quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sabor das cores e os buracos no chão.


A estrada é tela

Pernas são pincéis e passos pinceladas.

Olhos são olhos

Formadores do espírito guerreiro

Lutam contra a superfície meramente material da terra e dos lábios em silêncio.

Somos vatapá, carurú, tambor de maracatú.

É festa,

é guerra,

Sexo sangue e enxada.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Venta


Venta, e é cinza o tempo.

Venta e giram ventiladores desligados,

tapetes tomam vida,

portas vão e vem ou batem,

plantinhas dançam.

Venta mas o barulho dos homens é o mesmo.

Buzinas dos carros pequenos sobre os freios dos ônibus e caminhões.

Motos magrelas ecoando por detrás dos muros de prédios, salões de comércio barato e calvos campos de futebol esquecidos pelos moleques da rua.

Maritacas cantam, claro, uma aqui e outra lá, não estão em bando dessa vez.

Será que elas sabem das mudanças?

Será que as maritacas tem esperança?

São 13:55 parecendo 16:55

Venta

Já não é mais tão cinza o tempo.




terça-feira, 20 de setembro de 2011

rapidinhas


"dos dedos de quem escreve saem coisas que viram outras na cabeça de quem as lê. nos olhos de quem olha brilham mantras de um vida toda, pedaços de mosaico, agentes do instante, intrigante curiosidade despertada por um rabo de olho nú. é claro que tem muito chão, e tem muito chão, mas tem nuvem também. equilíbrio."



"Amor

Em tanto tango

Costura retalhos

Dessa vida maluca.

É tanta textura

Tintas e formas e bolhas

Tolas de tão sérias

Amigas de tão mudas

Lindas.

O sabor dos passos

Podem crer

Meus amigos

Está ao alcance

Da língua."



"HÁ! A moda.......................A moda é um bagaço. Sabe? Bagaço de fruta? De laranja? Então.....é isso. Daí de vez em quando vem alguém e joga um açuquinha em cima, da uns tapa, e tá lá, o bagaço todo "original". Tem gente que acha né, acha que é novo, pessoal, tem que afirmar, tão seguro. Idéia, roupa, música, jeito, medo, mania, palavra. É tudo bagaço, tem problema não! Mas tem que saber que é bagaço, senão um dia a cara quebra.....tem jeito não."
- Felícia Alves -


"muitas vezes, a razão é um bêbado de salto alto sobre um chão de lama e pedras escorregadias. da sua garrafa ele beberica certezas, convicções, idéias que são como animais empalhados: um dia foram bichos vivos, dinâmicos, sedentos e desconfiados. hoje são apenas pose em verniz lustroso, com aquela cara de combate imóvel, mostrando os dentes e com a pele impermeabilizada. esse não aprende mais nada."

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sentado


Estou sentado

Mas não sentado em qualquer lugar.

Estou sentado na varanda dos novos dias

Na sacada do meu peito

Na língua desse mundão baralho de frutas com coração.

Estou sentado porque já é noite e pelo dia passei passando, não fiquei,

Vi mas tudo que era ia, ardia,

Existia e implodia no ritmo dos meus passos grãos.

Agora que o sol retirou-se para iluminar o outro lado do planeta,

agora que meus olhos fatigados já estão cada qual em sua poltrona macia e meus pés suspiram aliviados em sua tão sonhada liberdade longe do quadrado sapato azul,

eu dou uma risada sem fazer barulho.....

sem saber

sem sonhar

sem querer

sem buscar....

É só um riso

feliz por poder dormir

acordar

dormir

acordar.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

A onça preta pintada e a menininha que não dormia

Uma menininha tentava dormir

e a noite tava gelada.

A coberta era curta

e os pezinhos ficavam de fora.

Terceira noite que dormia num quarto só seu,

terceira noite que não dormia quase nada.

A solidão não era o único motivo das madrugadas em claro.

O que assustava mesmo a menina ruivinha era o grito da onça preta pintada.

Quando a noite caía,

os ventos dos morros do vale desciam pelas paredes de pedra e por entre as plantações assoviavam uma música friiia fria.

Então a onça preta pintada gritava e gritava, lá pro meio da floresta, no lado mais escuro da fazenda.

O grito corria por todos os lados, rebatia no rio, subia nas árvores, espantava as capivaras e as cabras, acordava os cachorros e entrava no quarto da menininha, pela janela.

Ela ficava toda assustada, sentia um arrepio pelo corpo e se escondia embaixo das cobertas.

Noite após noite aquela agonia se repetia:

A escuridão gelada aparecia,

a onça gritava,

a menininha tremia.

Na décima noite a menininha já não aguentava mais.

Vendo que do jeito que tava não poderia ficar e que do jeito que tava nada iria mudar,

resolveu fazer diferente.

Ao ouvir o primeiro grito da onça preta pintada

a menininha levantou de sua cama enrolada na coberta,

colocou seu chinelinho e saiu da casa.

Caminhou pela noite escura, pela grama gelada, pelas plantações, pela beira do rio e da estrada de terra.

Só parou quando chegou na frente da floresta, de onde vinham os gritos medonhos da onça.

A menininha tremia e seus olhinhos não piscavam,

lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto.

Com o mato já na altura dos joelhos, o gelo subindo pelas pernas, o medo daqueles sons e daquele escuro todo, a menina soltou um berro rouco lá do fundo do seu peito:

- AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!

A onça começou a dar outro grito mas a menina a interrompeu, com outro berro:

- AAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!!!!

Por algum tempo permaneceram assim,

a onça gritando lá do meio da floresta e a menininha berrando, chorando, enrolada no cobertor.

Silêncio

Silêncio

Ventos

Soluços

E nariz escorrendo

Silêncio.

Logo a menininha já pode avistar os olhos brilhantes da onça se aproximando.

Era um animal forte, com garras em forma de curva e as orelhas pontudas como uma flecha.

Não era muito grande, provavelmente também era um filhote.

Suas feições não eram das mais amigáveis, mostrava os dentes e caminhava com um andar desconfiado.

Paralisada, a menininha fez uma coisa que nem ela mesma entendeu direito:

Levantou um braço e estendeu a mão, em direção a onça preta pintada.

O animal foi se aproximando......

se aproximando........

se aproximando cada vez mais!!

Foi chegando mais perto....

mais perto......

tão pertinho!!

Começou a farejar a ponta dos dedos da menina, que permanecia com o braço esticado e incapaz de mover um músculo no corpo.

A onça foi se aproximando, roçou o focinho pelos dedos da menininha e fez uma coisa que ninguém entendeu direito:

Começou a ronronar! Ficou toda mansa e começou a passar a cabeçona pela mãozinha da menina, que por sua vez começou a sorrir, fazendo carinho nela.

Em alguns instantes as duas já estavam bem relaxadas, o medo tinha ido embora e o frio nem tava mais tão gelado assim.

A onça preta pintada brincava com a menina, passando por baixo do seu braço, lambendo o cobertor.

A menina sentia cócegas por causa dos pelos da onça e soltava gostosas gargalhadas!

A duas brincaram e brincaram até cansar.

Acabaram dormindo abraçadas, ali, no meio do mato alto, dividindo o pequeno cobertor.

Foi uma ótima noite de sono,

assim como todas as outras que vieram depois dessa.

Dormir é muito bom.

terça-feira, 14 de junho de 2011

sem título

Furacão que anda

Vendaval que gostaria de ser gentil

Meio desastrado

Involuntariamente forte

Fruto das tantas coisas que se enrolam uma nas outras

Muda as energias de lugar

Pra não ficar tudo como está ou foi

É jogo de cintura

Malemolência em tempestade

Samba e prosa da rebelião.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

secreta

Num rolê pós almoço

Fui parar no Teatro Amazonas.

O guarda que ficava na porta para evitar a entrada de visitantes fora de hora não estava lá.

Entrei,

claro.

Já tinha passeado por lá,

mas só durante espetáculos ou com algum guia chato falando muita coisa chata sobre borracha e outras coisas chatas.

Entrei e o silêncio ecoava,

os pilares adornados estavam mudos,

os quadros e afrescos espiavam,

fingindo-se de mortos.

Entrei na sala principal de espetáculos,

levantando pesadas cortinas de veludo vermelho.

Um piano tímido, meio bêbado,

começou a passear nos meus ouvidos.

O som parecia vir dos interiores das paredes,

do alto dos camarotes vazios,

dos corredores de cadeiras enfileiradas.

Fui caminhando pelo longo tapete, apreciando os lustres enormes,

a decoração cheia de curvinhas,

as pinturas e os cheiros antigos.

Cheguei perto do palco

e as notas do piano me chamavam mais altas, mais intensas.

Aquela melodia era um mistério pedindo atenção.

Devagarinho,

dei a volta no palco e entrei numa pequena passagem que,

para mim,

era secreta.

Fui parar num salão escuro,

todo entrecortado por longas cortinas pretas

que dificultavam a compreensão do espaço.

O som do piano belamente principiante tomava conta dos meus sentidos

e por ele fui guiado.

Após alguns passos,

logo vi.....

Em meio a escuridão,

numa clareira de luz amarelada,

lá estava uma inspirada senhora.

Vestido e cabelos brancos,

leves, sem peso.

Descalça

ela dançava e fazia amplos gestos com os braços,

olhos fechados, boca entreaberta,

ditando a melodia e o compasso da música que pairava.

Na sua frente, uma jovem mulher sentada ao piano de cauda.

Ela tinha umas tranças bonitas no cabelo e um olhar esforçado,

tentando traduzir em música os movimentos e expressões da senhora inspirada.

Fiquei observando aquela cena por alguns minutos,

sem que elas percebessem minha presença.

Depois,

saí com o mesmo cuidado com que cheguei,

e meus sentidos demoraram a voltar para a rotina.

Uma hora ou outra eles voltaram,

já era hora do trabalho.

domingo, 5 de junho de 2011

filhos pais paredes e árvores

Vejo pais que passam muito tempo mostrando aos filhos o que não podem fazer e esquecem do espaço para as coisas que os pequenos são capazes de fazer. São as mentes podadas dos pais que se esforçam em podar a mente do filho, restringindo suas habilidades e sensibilidades em nome de um conceito de segurança que é uma gaiola e um modelo de comportamento doente, imposto por um contexto social que enaltece a objetividade e a utilidade em detrimento do devaneio e da imaginação.

Cubos. Isso, cubos. As crianças são criadas para se transformarem em úteis cubos de aço, com suas arestas de medidas matematicamente calculadas e conhecidas, com os ângulos perfeitamente retos. Suas faces são lisas, sem textura, uma igual a outra, simétricas e entediantes. Pra que? Ora, o Pink Floyd já respondeu faz tempo. Assim como todos nós, as crianças são apenas "another brick on the wall". E para se encaixar perfeitamente nessa parede, formar uma estrutura sólida e imutável, nada melhor do que tijolos perfeitos, rigorosamente silenciosos e previsíveis, úteis, sem imaginação, sem poder de criação ou tempo para a vadiagem.

Dentro desse contexto, gosto de imaginar que um dia criarei o meu filho para ele ter a força de ser um "desajustado", feliz em sua unicidade, poderoso em sua capacidade de criar a sua realidade. Gosto de imaginar que não será em nada parecido com um cubo, e sim com uma árvore. Uma bela e assimétrica árvore, com seus múltiplos galhos apontando para os vários cantos do céu, uma profunda raiz sensível em captar os nutrientes da terra, um caule com as texturas mais variadas. Seus frutos serão verdes, roxos, grandes, minúsculos, flores, folhas, cantos, risos, samba!

Cultivemos a potência infantil dos olhares do mundo.

vovó

Com o passar do tempo

minha vó foi esquecendo

cigarros acesos nos cinzeiros, nas quinas de mesa e nos parapeitos das janelas da cozinha.

Esquecia eles lá e continuavam queimando,

formando um longo cilindro de cinzas,

marcando a madeira ou tingindo as bordas dos azulejos amarelados.

Era tudo culpa da berinjela no forno,

da roupa na máquina,

da pequenina bisneta que vinha experimentar o novo coletinho de tricô que a vó fazia.



Com o passar do tempo

minha vó foi esquecendo

e eu jamais deixarei de lembrar.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

efêmero

Embalado por um céu de novidades

agradeço às nuvens pelas rugosidades da terra.

Agradeço ao fogo pelas cicatrizes

que me lembram do caminho percorrido até o presente momento de respiração desenfreada.

Agradeço ao deus Efêmero, pai do riso e do instante,

que doa sua prole em nome da beleza mais profunda que existe.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Conservemos nosso parafuso solto

Conservemos nosso parafuso solto

pois não somos máquinas para funcionar sob rígidas normas de qualidade.

Conservemos nosso parafuso solto

pois nossas idéias e sentimentos são maiores do que qualquer exigência de comportamento matemático.

Conservemos nosso parafuso solto

para não esquecermos da nossa condição de bicho que come, dorme, trepa, fareja e rosna.

Conservemos nosso parafuso solto

para não esquecermos que não somos feitos de parafuso algum:

O que rola aqui é uma bomba de sangue grosso e um cérebro capaz de perceber o universo.

O Mar e o Vento

O mar e o vento

Filhos de mães distintas

Fazem movimentos irmãos.

Um não nega o outro:

No mar existem bolhas,

No vento existem gotas.

Eles vão e vem,

Só por ir e vir,

E nessa brincadeira a vida brota.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

momento

Outro dia

estávamos na sala.

Eu imitava o Ed Motta

e meu irmão acompanhava no violão.

Meu pai gargalhava,

só de cueca e camiseta,

com uma xícara de café nas mãos.

Esse momento não cabe no oceano.

sem as palavras

Quando meu pai chega do trabalho

com os olhos dobrados pelo cansaço

abro os braços e aperto-o por alguns instantes.

As vezes pergunto como foi o dia e se está tudo bem,

mas não precisaria.

Nenhuma pergunta e nenhuma resposta

poderiam dizer o que dizem seus olhos cansados

e o meu abraço de filho.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

uma mensagem bonita

deixem carregar até o fim, depois assistam.

www.vimeo.com/21833399?ab

terça-feira, 26 de abril de 2011

ray charles e meu pai

ray charles

é fera.

fera que chora em teclas

sorri em gritos

pede perdão a georgia com um sopro ao final da estrofe.

em alguns momentos do seu show ele não se aguenta

se abraça e faz carinhos no próprio rosto.

as letras transbordam

ele sabe o que fala

ele é o que canta

o piano é seu jardim.



olho para o lado e o que vejo não é uma multidão

não estou num show, estou numa sala.

o dvd que rola na tela é o do ray.

assisto junto ao meu pai.


olho para o lado e o que vejo não é uma multidão.

vejo meu pai....

óculos tortos....

olhos vermelhos....

brotando lágrimas.....


viu?

meu coração não é o que é por acaso.

domingo, 24 de abril de 2011

A gota de mel no azedo do limão

e então


eu soube


o silêncio.


tava tudo lá....


sendo.....


vibrando....


porque é isso que acontece


existir é o grande lance.....


e compartilhar essa fagulha


vê-la refletida em olhos que nos olham


é o gesto mais bonito que se pode conceber


é a resposta que pensamento algum pode elaborar


é a gota de mel no azedo do limão


é Amar.

domingo, 17 de abril de 2011

aprendizado

Em algum lugar do passado

comecei a ver

apesar de já enchergar muito tempo antes disso.

Em algum lugar do passado

pude perceber o valor da minha vida

a riqueza dos nossos dias

o milagre que é viver.

Em algum lugar do passado

foi-me apresentada a dor

como o melhor aviso de que os momentos calmos e os instantes de riso

são, sem mais nem menos, o tão falado paraíso.

Em algum lugar do passado

aprendi isso tudo.

Portanto, não posso esquecer do que já me foi ensinado.

Às vezes é difícil lembrar, eu sei, é preciso muito força.

Por isso penso poesia......

Ser poeta, para mim, é não esquecer

para continuar aprendendo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

fazer ver

Às vezes, muitas vezes, não nos cabe revelar algo para o outro. Fazer enchergar, fazer cair a ficha, introduzir uma perspectiva num olhar é algo muito complexo. Se tentamos fazer descer goela abaixo uma "conclusão" o processo pode ser extremamente desgastante e, muitas vezes, ineficaz.
Tentar ser o portador da Chave para uma Porta é subestimar a complexidade do outro, é subestimar o caminho que nós mesmos percorremos para chegar onde estamos e pensar o que pensamos. Não somos portadores de chaves, somos peças ativas no processo de descoberta pessoal de cada indivíduo com o qual nos relacionamos.

Às vezes, muitas vezes, o melhor que podemos fazer é estar ao lado, conversar sem propósito, passear por ai.

terça-feira, 12 de abril de 2011

"beleza"

Acho estranhas essas mulheres de plástico.
Acho estranha a "beleza" de hoje em dia.
Gosto da pele cheia de coisinhas, covinhas assimétricas, marcas da complexidade humana.
O que há para se descobrir numa superfície perfeitamente lisa? Se vejo uma parte já sei como é todo o resto. Coisa chata.
Mulheres que fazem muita plástica ficam parecendo..............plástico! Há!
Maquiagem também é uma coisa traiçoeira. As vezes eu penso "hmm se eu tivesse um espanador pra ver o que tem debaixo dessa poeira toda!" Na verdade acabei de pensar nisso, e achei engraçado.
Eu acho lindo mulher quando acorda, principalmente quando a noite foi boa e o dia que nasce não contém obrigações. O rosto desperta ainda com aquele ar de sonho, os olhos ficam com preguiça de piscar e os lábios pouco se esforçam para assoprar algumas palavras.
Alguns caras não tem essa sorte. Suas amantes acordam antes deles para tirarem todo esse brilho. O cara acorda e lá esta: uma boneca inflável com pele de plástico, cabelos organizados em prateleiras, lábios cheirando a morango sintético e os olhos estalados contornados por cílios de fita isolante.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Declaração de amor de um menino do sítio

Ocê é uma pardalzinha......

Eu sô um pardalzin......

Somo tudo passarin.....


Bóra voá mais eu?!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

deixa

Folha seca voou de um galho vazio.

O vento levou e ela pousou nos cabelos de minha vó, que fazia tricô no jardim.

Quando fui removê-la vovó retrucou, sem olhar:

- Deixa ela ai, deixa.....

terça-feira, 5 de abril de 2011

aahh...

aahh....

a beleza dos dias....

se eu fosse menos recatado choraria de alegria....

pobres são aqueles que precisam de fogos de artifício para sorrir maravilhados.

sim, sou criança, brinco aos montes numa poça de barro.

você acha isso chato?

coitado.

Tragédia

Então lá estava.....

Beija-flor perdido na tourada.

Buscando um copo daquele mel oferecido

Em meio aos gritos da arena ensanguentada.

Então é isso....

Foi-se o mel,

Acabou-se a estrada.

Beija-flor sentou-se sobre o chifre do animal e de lá não mais saiu......

Golpe de espada.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

depois de todas as pesquisas

depois de todas as equações, projetos, descobertas

depois de toda a ciência, história, literatura

depois de todos os protestos, manifestos, greves, crises

depois de todos os argumentos, palavrões, debates, monografias

depois de todas as bíblias, rezas, sermões, mandamentos

depois de todo o medo, angústia, dúvida, raiva, horror

depois de tudo e, portanto, antes de tudo:

sossego.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Um dia é uma história

CAPÍTULO 1 - Começa o dia

Quarto escuro. Um pálido azul transborda pelas arestas da janela acortinada. Linguinhas geladas de vento orvalhado roçam em pés e canelas estirados sobre o colchão de palha de milho desfiada. O distante canto do galo desce a pequena colina, passa por entre as madeiras escuras do curral, bate no balde amassado do poço e junto ao vento adentra o quarto de Juvenal. É o sinal, mais um dia começa no sítio.

Juvenal não é moço nem velho. Tem peso, crenças, barba e uma unha encravada no pé esquerdo. Gosta de bucho ensopado, espingarda e viola. Seu trabalho é seu sítio. Quando tem tempo faz queijo, coalhada e licor de figo ou jabuticaba. Vende essas coisas pro Dito, o dono da venda no centro da Vila Esmeralda.

Joga os pesões pra fora da cama, carrega a cabeça nos ombros e senta com as mãos entre as pernas. O tapete de pano não está onde deveria, os pés encontram o chão de cimento queimado e Juvenal suspira .......“Pitoco............”.

Levanta. Não anda. Escorre a mão pela cara.

Agora sim, uma perna avança, depois a outra. Desliza a cortina e tudo está onde estava: O poço, o curral, a colina, o galinheiro. Juvenal grita:

- Pitoco! Acorda vagabundo!

E cospe pela janela.

Juvenal abre o armário de madeira sem trato e de dentro tira seu macacão surrado de todos os dias. Precisa de uma boa lavada.

Juvenal veste o macacão por cima do pijama inteiriço e calça seu par de botas molengas. Sai do quarto, passa pela cozinha quadrada e sai da casa, em direção ao poço. O ar está bem fresco, faz arder um pouco as narinas, e a grama molharia suas meias se ele estivesse usando alguma.

Enquanto caminha Juvenal vai tirando as melecas do rosto, sem pressa. Chega ao poço, corre a corda pelas mãos e desce, também sem pressa alguma, o balde até a água. O balde enche e Juvenal puxa. O balde pesa e a corda grita na roldana. Pitoco percebe. Esse é o sinal de um novo dia para ele, e não o canto do galo.

- Aah......tava na hora...... – resmunga Juvenal

Pitoco vem correndo, se apóia no poço e olha com a língua de fora para o dono. “Bom dia!”, ele diz com um latido, e olha pra baixo, admirando o balde subir cheio d’água.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Lembranças do Sítio

Ah, as galinhas!

"Pó!' pra lá

"Pó?!" pra cá.

As vezes, quando não estão cutucando o chão, levantam a cabeça e ficam com o bico aberto, fazendo olhar de psicopata em surto.

E os galos então, tão sutis!

Quando querem traçar uma galinha vão que nem uma flecha gorda pra cima da coitada.

A maioria delas foge por vários metros.

Algumas tem preguiça de correr, já deitam no chão e falam "vamos acabar logo com isso vai...".

terça-feira, 22 de março de 2011

Velho Limoeiro

Do alto dum velho limoeiro sem folhas

saiu um canto.

depois de algum balançar dos galhos

apareceu de trás de três limões enferrujados

um passarinho todo molhado.

chamava alguém que não o ouvia.

cantava e cantava ao lado de um lago esquecido,

onde os sons mergulhavam na água turva ou ricocheteavam em velhas latas de tinta.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Belezura

Conservo minha loucura e minha tristeza como pérolas de uma concha chamada poesia.

Os poemas já estão todos escritos em uma única estrofe universal cujas entrelinhas temos o privilégio de poder chamar de nossas vidas.

Em forma de flores e pezinhos de mulher temos ao alcance das mãos e dos olhos uma fonte de inspiração incessante, uma verdade que é sem porquês, um riso que não precisa de dentes ou lábios para rir do que não pode ser escrito ou ensinado.

Se for para resumir toda essa belezura em uma palavra, arriscaria um chavão: Deus.

Padres não deveriam existir, apenas poetas.

Mistura

Relógio de goiaba

Cheiro de óculos

Volúpia de alçapão.


Tesão das estrelas

Cheiro de curva

Oceano caramelizado com uma pitada de limão.


Bagaço de amor

Sabor de agulha

Uma mãe de algodão com um terço de berço nas mãos.

Manaus

No meio da floresta cresce uma clareira.

O cimento e o asfalto avançam para que os "civilizados" que aqui chegam não sujem os pés no chão.

Do alto da sacada vejo homens de vermelho, azul e capacetes

Levantando torres, muros, palacetes

Quebrando pedras, martelando tábuas, corrigindo corre-mãos.

Vejo punhados de um denso verde apertados entre as construções,

eles parecem contar histórias.

Por lá já passaram onças, micos, índios e caças.

Sangue, seiva, ninhos e cantos de pássaros.

Hoje, tubulação.

Como é intenso e contraditório o prazer de estar aqui.

quarta-feira, 9 de março de 2011

cantarolando

enquanto o mar for meu

não quero que ela fique triste.

levo flores todas as manhãs, amarradas com capim cidreira

banana amaçada com aveia e o início de uma musiquinha improvisada.



enquanto o mar for meu

lavo os pratos com prazer.

carrego os sonhos e ouço os medos só pra ela ficar descalça.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Cata-vento

Ele visitava semanalmente o túmulo do pai e levava flores novas. Ficava triste vendo as flores murchas e secas da semana anterior, que ninguém regara. Aí teve a idéia de substituir as flores por um cata-vento. Fincado o cata-vento, sempre que o vento soprava, ele girava...

- Rubem Alves -

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

mãe

Hoje eu acordei pensando em minha mãe, sentindo-a.

Não cheguei a conhecê-la direito.

Quando ela transformou-se em estrela minha cabeça era nova demais,

egoísta demais,

e não enchergava nada além da ponta do meu nariz.

Conhecia a mãe que ela era,

mas fiquei longe de saber que pessoa estava por trás disso tudo.

Gostaria de ter conversado sobre seus medos, angústias e ilusões.

Sobre seus desejos profundos,

seus erros mais escabrosos.

Se ela ainda estivesse neste plano eu aprenderia a mecher com a terra e com as sementes
para construir-mos juntos um jardim muito bonito.

Sentaríamos sob a sombra de uma caramboleira e trocaríamos idéias sobre nós e o mundo,

de receitas de doces aos giros da Terra,

passando por Maria Bethânia e cigarros.

O amor que sinto por ela e o amor dela por mim existirá para todo o sempre,

desrespeitando com graça os limites impostos pela existência dos corpos.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

estar

Ah mas que barco é esse?

E esse remo nas minhas mãos, pra onde rema?

Que vento é esse que estufa a vela?

Qual mar é esse cuja água nunca é, foi?



Acho que tudo isso é o que menos importa.

Sei que estou nesse barco,

e que a vista para o horizonte é muito bonita.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

acerolas

Olha que beleza! Catei 237 acerolas hoje!

- Seu Milton, meu vô -

meu vô

Não consigo pensar em algo mais belo que meu vô.

Suas rugas escuras,

seus dedos de tijolo,

sua careca lisinha e seus resistentes cabelos negros.


É tão verdadeiro,

tão sereno,

é lindo quando ele fecha a geladeira com um empurrão de bengala.

Ele adora trocar lâmpadas, mecher com fios, cuidar da horta, cozinhar pra gente, pros cachorros, prás galinhas e prás vacas.


Quando nasce uma ninhada de pintinhos é uma delícia. Ele até descreve características particulares de cada um:

Um é mais gordinho,

o outro é tímido,

tem um que é muito guloso!


Outro dia eu tava na mesa da cozinha da nossa casa lá no sítio. Meu vô tava na pia, de frente pra janela.

Comecei a ouvir ele contar baixinho:

- 1....2....3....4....

- 1.....2........3..4........5......

Reparei no que ele estava fazendo e vi que olhava atentamente pela janela. Perguntei:

- Que foi vô?

Ele respondeu:

- Filho da puta......algum gavião deve ter comido um pintinho da ninhada novinha......

E continuou a fazer o que fazia.



Nunca vou me esquecer dele contando, bem baixinho:

- 1......2..........3.........4........

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

um dia de chuva

eu tava voltando do trabalho. chovia.

o ônibus demorou, mas chegou.

dentro dele as pessoas que entraram não tardaram a fechar as janelas,

acho que por medo de serem corroídos pela água ou algo assim.

em pouco tempo o que havia para se respirar era a respiração das outras pessoas,

um ar quente cheio de coisas.

do mundo de fora pouco se via,

a chuva caia , embaçava o parabrisa, os vidros dos lados e os vidros de trás.

passávamos pelo santa felícia,

um bairro onde ainda se joga bola na rua e pipas ainda fazem orquestra acirrada no céu.

mas naquele dia não.

naquele dia chovia e os pássaros da periferia estavam em suas casas.

passando por um descampado gramado, do lado de um parquinho mambembe, avistei algo

através do vidro embaçado.

não acreditei.

surreal.

levantei-me depressa e puxei a cordinha para descer do busão.

aparentemente as outras pessoas não viram o que eu vi.

o ônibus foi embora e eu fiquei na calçada, já ensopado após alguns segundos.

meus olhos eram alvejados pelas gotas da chuva, tive que me esforçar para ver direito.

do outro lado do descampado, perto do parquinho e de um açougue fechado,

estava uma enorme massa amarelada, caminhando e farejando a terra e a grama.

seus passos eram lentos e firmes, sua respiração gerava uma fumaça espessa, sua juba molhada

pesava sobre os ombros.

dou um passo, piso numa folha e suas orelhas e fuça não falham em detectar minha presença

rapidamente.

seu pescoço encaixa-se sobre a coluna, sua cabeçorra vira em minha direção e seus olhos fisgam

os meus como quem pergunta "Quem vem lá?"

Congelei, minhas roupas ficaram duras, meu pé entrou no chão.

Era tão lindo e assustador.

O enorme animal começou a andar em minha direção e após alguns passos começou uma corrida de caça.

Cobriu vários metros numa velocidade absurda e, quando percebi, já estava bem perto de mim.

Pensei: "É isso, um ataque de um leão!".

O bicho veio pra cima de mim e me jogou no chão com um empurrão tonelada.

Seus dentes ficaram a poucos centímetros do meu rosto,

seu bafo esquentava meu nariz.

Fechei os olhos, paralisado, petrificado.



Após alguns instantes, eu ainda ouvia o barulho da chuva.

Pela pressão sobre meu peito sabia que ele ainda estava lá.

Abri os olhos lentamente e lá estava ele, olhando fixamente nos meus olhos.

Quem é você? - ele me perguntou.

Sou Raoni, filho de Francisco e Maria Cecília. - respondi

Silêncio



E você, quem é? - perguntei

O enorme leão, acreditem, desfranziu as sobrancelhas e deu um belo sorriso.

Quem sou eu? - retrocou

Nesse momento ele saiu de cima do meu corpo e ficou olhando para a chuva, sentado, contemplativo.

Virou-se para mim e disse:

"Meu filho, eu sou a Poesia.

Fico muito feliz de ter sido notado por você.

Normalmente perambulo pelas ruas e a maioria das pessoas não me vê.

Fico vagando, perdido, cheirando os restos de grama.

Continue com seu coração esperto, pois existem outras entidades caminhando por ai.

Algumas delas fazem muito mal às pessoas e mesmo assim são notadas e lembradas a todo instante.

Eu não entendo.

Mas, no momento, estou feliz de ter me encontrado com você.

Posso continuar minha viagem em paz"


O leão se levantou, deu mais um sorriso, e começou a caminhar por entre a chuva.

Depois de alguns passos, desapareceu.