Uma menininha tentava dormir
e a noite tava gelada.
A coberta era curta
e os pezinhos ficavam de fora.
Terceira noite que dormia num quarto só seu,
terceira noite que não dormia quase nada.
A solidão não era o único motivo das madrugadas em claro.
O que assustava mesmo a menina ruivinha era o grito da onça preta pintada.
Quando a noite caía,
os ventos dos morros do vale desciam pelas paredes de pedra e por entre as plantações assoviavam uma música friiia fria.
Então a onça preta pintada gritava e gritava, lá pro meio da floresta, no lado mais escuro da fazenda.
O grito corria por todos os lados, rebatia no rio, subia nas árvores, espantava as capivaras e as cabras, acordava os cachorros e entrava no quarto da menininha, pela janela.
Ela ficava toda assustada, sentia um arrepio pelo corpo e se escondia embaixo das cobertas.
Noite após noite aquela agonia se repetia:
A escuridão gelada aparecia,
a onça gritava,
a menininha tremia.
Na décima noite a menininha já não aguentava mais.
Vendo que do jeito que tava não poderia ficar e que do jeito que tava nada iria mudar,
resolveu fazer diferente.
Ao ouvir o primeiro grito da onça preta pintada
a menininha levantou de sua cama enrolada na coberta,
colocou seu chinelinho e saiu da casa.
Caminhou pela noite escura, pela grama gelada, pelas plantações, pela beira do rio e da estrada de terra.
Só parou quando chegou na frente da floresta, de onde vinham os gritos medonhos da onça.
A menininha tremia e seus olhinhos não piscavam,
lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto.
Com o mato já na altura dos joelhos, o gelo subindo pelas pernas, o medo daqueles sons e daquele escuro todo, a menina soltou um berro rouco lá do fundo do seu peito:
- AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!
A onça começou a dar outro grito mas a menina a interrompeu, com outro berro:
- AAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!!!!
Por algum tempo permaneceram assim,
a onça gritando lá do meio da floresta e a menininha berrando, chorando, enrolada no cobertor.
Silêncio
Silêncio
Ventos
Soluços
E nariz escorrendo
Silêncio.
Logo a menininha já pode avistar os olhos brilhantes da onça se aproximando.
Era um animal forte, com garras em forma de curva e as orelhas pontudas como uma flecha.
Não era muito grande, provavelmente também era um filhote.
Suas feições não eram das mais amigáveis, mostrava os dentes e caminhava com um andar desconfiado.
Paralisada, a menininha fez uma coisa que nem ela mesma entendeu direito:
Levantou um braço e estendeu a mão, em direção a onça preta pintada.
O animal foi se aproximando......
se aproximando........
se aproximando cada vez mais!!
Foi chegando mais perto....
mais perto......
tão pertinho!!
Começou a farejar a ponta dos dedos da menina, que permanecia com o braço esticado e incapaz de mover um músculo no corpo.
A onça foi se aproximando, roçou o focinho pelos dedos da menininha e fez uma coisa que ninguém entendeu direito:
Começou a ronronar! Ficou toda mansa e começou a passar a cabeçona pela mãozinha da menina, que por sua vez começou a sorrir, fazendo carinho nela.
Em alguns instantes as duas já estavam bem relaxadas, o medo tinha ido embora e o frio nem tava mais tão gelado assim.
A onça preta pintada brincava com a menina, passando por baixo do seu braço, lambendo o cobertor.
A menina sentia cócegas por causa dos pelos da onça e soltava gostosas gargalhadas!
A duas brincaram e brincaram até cansar.
Acabaram dormindo abraçadas, ali, no meio do mato alto, dividindo o pequeno cobertor.
Foi uma ótima noite de sono,
assim como todas as outras que vieram depois dessa.
Dormir é muito bom.