quarta-feira, 30 de março de 2011

Um dia é uma história

CAPÍTULO 1 - Começa o dia

Quarto escuro. Um pálido azul transborda pelas arestas da janela acortinada. Linguinhas geladas de vento orvalhado roçam em pés e canelas estirados sobre o colchão de palha de milho desfiada. O distante canto do galo desce a pequena colina, passa por entre as madeiras escuras do curral, bate no balde amassado do poço e junto ao vento adentra o quarto de Juvenal. É o sinal, mais um dia começa no sítio.

Juvenal não é moço nem velho. Tem peso, crenças, barba e uma unha encravada no pé esquerdo. Gosta de bucho ensopado, espingarda e viola. Seu trabalho é seu sítio. Quando tem tempo faz queijo, coalhada e licor de figo ou jabuticaba. Vende essas coisas pro Dito, o dono da venda no centro da Vila Esmeralda.

Joga os pesões pra fora da cama, carrega a cabeça nos ombros e senta com as mãos entre as pernas. O tapete de pano não está onde deveria, os pés encontram o chão de cimento queimado e Juvenal suspira .......“Pitoco............”.

Levanta. Não anda. Escorre a mão pela cara.

Agora sim, uma perna avança, depois a outra. Desliza a cortina e tudo está onde estava: O poço, o curral, a colina, o galinheiro. Juvenal grita:

- Pitoco! Acorda vagabundo!

E cospe pela janela.

Juvenal abre o armário de madeira sem trato e de dentro tira seu macacão surrado de todos os dias. Precisa de uma boa lavada.

Juvenal veste o macacão por cima do pijama inteiriço e calça seu par de botas molengas. Sai do quarto, passa pela cozinha quadrada e sai da casa, em direção ao poço. O ar está bem fresco, faz arder um pouco as narinas, e a grama molharia suas meias se ele estivesse usando alguma.

Enquanto caminha Juvenal vai tirando as melecas do rosto, sem pressa. Chega ao poço, corre a corda pelas mãos e desce, também sem pressa alguma, o balde até a água. O balde enche e Juvenal puxa. O balde pesa e a corda grita na roldana. Pitoco percebe. Esse é o sinal de um novo dia para ele, e não o canto do galo.

- Aah......tava na hora...... – resmunga Juvenal

Pitoco vem correndo, se apóia no poço e olha com a língua de fora para o dono. “Bom dia!”, ele diz com um latido, e olha pra baixo, admirando o balde subir cheio d’água.

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